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“Só quem tem poder pode fazer algo para ajudar”

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A tarde do dia 17 de junho de 2012 marcou para sempre a família de Beatriz Silva Pacheco, 10 anos. A menina, que morava em Sarandi (a 12 Km de Maringá), brincava com um primo de 9 anos quando foi abordada por um homem que aparentava ter cerca de 50 anos. Segundo relato do primo de Beatriz, o homem teria oferecido R$ 10 para que as crianças cuidassem de um cavalo no matagal. O menino rejeitou a proposta, mas a garota resolveu acompanhar o criminoso, desaparecendo. A menina Beatriz foi vítima de abuso sexual e, em seguida, assassinada. Já se passou quase um ano do acontecido e o estuprador ainda não foi identificado pela polícia.

Érica com a filha Beatriz: “ Ainda estou sem chão” (Foto: Arquivo particular)

Uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, de 2005 a 2009, mostrou que em 88% dos casos de abuso infantil, o agressor faz parte do círculo de convivência da criança. O pai (38% dos casos) é o agressor mais comum, seguido do padrasto (29%). O tio (15%) é o terceiro agressor mais comum, antes de algum primo (6%). Os vizinhos são 9% dos agressores e os desconhecidos são a minoria, representando 3% dos casos. A pesquisa mostrou também que 63,4% das vítimas de abuso são meninas. Na maioria dos casos, a criança abusada, independentemente do sexo, tem menos de 10 anos de idade. Essas e outras estatísticas serão lembradas no Sábado,18, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Um relatório feito pelo Ministério da Saúde no ano passado mostrou que o abuso sexual é o segundo tipo de violência mais característica em crianças de até 9 anos. Segundo o levantamento, esse tipo de agressão fica atrás apenas das notificações de negligência e abandono. Em 2011 foram registrados no Brasil 14.625 casos de violência sexual, doméstica, física e outras agressões contra menores de 10 anos.
Combater a impunidade, lutar por Justiça e chamar a atenção dos que têm poder, tem sido a rotina de Érica da Silva,39, mãe de Beatriz. Esta semana ela conversou com o Jornal Matéria Prima.

Como era o cotidiano de Beatriz?
Ela era uma menina de alto astral e feliz. Sempre que estava na sala de aula ajudava as professoras. Quando batia o sinal do colégio, em vez dela vir embora, ficava ajudando as zeladoras a limparem a sala até eu ir buscá-la. Ela era sempre prestativa.

(Foto: Arquivo particular)

Como tem sido o dia a dia sem ela?
Está difícil. Muito difícil principalmente para mim, para os amigos da empresa onde trabalho, para minha mãe que cuidava dela. Sabe , até hoje eu estou sem chão. Estou sempre ligando na delegacia, conversando com o atual delegado de Sarandi, o doutor Reginaldo Caetano, procurando saber informação. A última notícia que tive foi que há um novo suspeito em Curitiba, mas ele se negou a fazer o exame de DNA. O delegado vai averiguar, pois o suspeito não é obrigado a fazer o exame. Tem uma burocracia danada que só acontece com quem é pobre, porque com rico não tem isso, sabia?! Com pessoas ricas não tem burocracia nenhuma, agora com gente mais humilde, isso infelizmente acontece. A minha maior revolta é que vai fazer um ano que aconteceu o caso, e até hoje a única resposta que tenho é que o resultado de exame demora, que primeiramente não tinha investigadores suficientes para estar trabalhando no caso, e que não tem só o meu caso para eles estarem investigando. Toda vez que eu ligo para saber sobre o andamento do caso, é sempre a mesma “ladainha”.

A repercussão do caso comoveu as pessoas e fez crescer as denúncias de abuso sexual em Maringá. Dez dias após o acontecido, o Conselho Tutelar da cidade recebeu nove denúncias de pedofilia e abuso sexual contra criança. A senhora acredita que esse acontecimento contribuiu para o esclarecimento de outros casos?
Ajudou bastante. Eu acredito que isso fez com que as pessoas que estavam com medo, resolvessem denunciar. Depois que aconteceu isso com a Beatriz, muitas coisas vieram à tona e muita gente criou coragem para poder denunciar outros casos. As pessoas estão mais cuidadosas e preventivas. Ouço muitas pessoas comentarem que usam o que aconteceu com a minha filha quando vão aconselhar os filhos. Os pais falam sobre o caso da Beatriz para que os filhos não os desobedeçam. O que aconteceu com a Bia, está fazendo com que várias mães e pais tomem mais cuidado.

Tem uma burocracia danada que só acontece com quem é pobre, porque com rico não tem isso, sabia?!

 

No dia 16 de agosto do ano passado, dois meses após o acontecido, foi realizada uma manifestação em Sarandi, com mais de 200 pessoas, para cobrar maior empenho na investigação. A senhora pretende mobilizar mais algum protesto?
Sabe, é difícil, mas estou lutando. Já fizemos uma passeata e estamos organizando outra. Se chegar a um ano sem achar o criminoso, vamos organizar outro movimento, para mobilizar e chamar atenção das autoridades. Não tenho um nome importante igual ao de empresários famosos e não tenho dinheiro, mas eu quero que eles saibam que eu tenho meu nome, minha filha, que era igual a qualquer outro milionário, e ela é uma pessoa que merece respeito.

A senhora acredita que uma campanha nacional contribuiria para a localização do assassino?
Sim. Eu queria que a presidente ficasse sabendo. Não falo só do meu caso, mas também o de outras mães que tiveram filhas desaparecidas. Se a presidente apoiasse, tivesse mais desempenho com esses casos, ia ajudar bastante. Ela sempre fala que vai melhorar a saúde, e se ela mostrasse melhor desempenho em relação a esses casos e se mobilizasse, iria, sem dúvidas, contribuir. Tudo o que a presidente fala, tudo o que ela quer os investigadores vão aderir, e se ela fizesse isso em prol de nós mães e pais que estão sofrendo com esse tipo de situação, garanto que esses casos , ou pelo menos a maioria seriam resolvidos. Eu tenho esperança que alguém que tenha poder ainda faça algo para ajudar.

(Foto: Arquivo particular)

A Polícia Civil estima que mais de R$ 60 mil já foram gastos na investigação do caso Beatriz. A senhora acha que está havendo falha no trabalho da polícia?
Eu me refiro mais aos resultados dos exames que são demorados. Eles dizem que não tem só o meu caso e que não podem estar colocando a minha situação na frente dos outros, que também estão na fila. Para mim, a minha filha não morreu, ela está viva, sempre vai estar viva. Eu não consigo ver minha filha morta.  O primeiro delegado que estava acompanhando o caso já não está mais na delegacia. O novo delegado que entrou há pouco tempo, pegou o “fio pela metade”. Ele não tem culpa, mas pegou o “bonde” na metade do caminho. Só que no meu ponto de vista, ainda está faltando algo para encontrar o criminoso.

A senhora tem esperança de que seja feito justiça?
Sim. Eu tenho muita esperança e peço muito para Deus, todos os dias. O que me ajuda são os amigos e minha família. Até hoje estou sem chão e não desejo isso para ninguém.

Se o criminoso for encontrado, a senhora o perdoaria?
Não. Quem tem que perdoar é só Deus. Ele tem que pedir perdão para Deus e não para mim.

 

 

 

 


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